Sempre me perguntam como consegui conciliar a vida de consultora
workaholic e autônoma com a maternidade. Já contei essa história diversas vezes,
sempre com muito orgulho, e hoje decidi escrever um pouco de como ela se deu – não
apenas para guardar melhor em minhas memorias, mas também para compartilhar
como é possível ter filho trabalhando bastante e, ainda assim, garantir
atenção, amor e muita amamentação!
Para quem me conhece, sabe que ao longo dos últimos dez anos trabalhei muito (e com muito prazer) para construir uma carreira autônoma
na administração pública. E que simplesmente adoro o que faço. Além dos muitos
anos de estudo, entre graduação, mestrado e doutorado, sempre conciliei com
trabalhos de consultoria ou de formação de gestores. Nesses mais de dez anos,
foram dezenas de consultorias a governos, centenas de horas de cursos ministradas
para várias organizações, livros e artigos publicados, etc.
Quem trabalha como autônoma sabe que devemos sempre acumular
os trabalhos para evitar períodos sem nada – de forma que acabamos sempre tendo
muitas coisas para fazer ao mesmo tempo, jornadas extenas e e sem horários fixos ou dias regulares de
trabalho. Além disso, pelas próprias características das escolhas que fiz, tive que viajar muito desde que me formei: para dar consultorias em
diversas cidades do país, para trabalhar com formação de servidores públicos
nos mais variados estados, para participar de congressos nacionais e
internacionais, para fazer visitas de campo do meu mestrado e doutorado, etc.
Foram anos intensos e de muitas viagens: morei em algumas
cidades do sertão brasileiro, percorri os estados do norte e do nordeste, estudei
em Nova York, trabalhei na Alemanha, morei em Hong Kong, dei palestras no
Chile, na Argentina, no Peru, na Italia e em Portugal. Foi uma vida
profissional nômade e que me encantava, não apenas por conhecer novos lugares,
mas por mudar a natureza do meu trabalho.
Até que, sem planejamento, previsão ou expectativa,
engravidei em 2010. Como sempre trabalhei de forma autônoma, sem salário fixo e
dependendo de uma rede de contatos e indicações, tinha que aproveitar o tempo
da gravidez para trabalhar muito, consolidar diversas atividades e juntar
dinheiro, sem saber como as coisas seriam depois que meu filho nascesse.
Em 9 meses foram 52 viagens nacionais e internacionais.
Passei mais tempo em Brasília do que em minha casa. Fui trabalhar no Acre, me
aventurei pelo interior de Rondônia, dei aulas no Espírito Santo, cruzei mais
uma vez o sertão da Bahia. Foram nove meses com vestido cada dia mais curto, carregando a barriga, com o esforço
crescente que ela me gerava, por todo o país, entre os mais diferentes climas e
geografias, à prova de diversas culinárias e experimentações.
Chico nasceu em junho de 2011. Foi um final de gravidez
difícil – o excesso de trabalhos e de viagens impactaram em uma falta de ganho
de peso por parte minha e dele (em 8 meses de gravidez eu tinha engordado
apenas 5 kg e ele 1,5). Ao longo do último mês, tive
que diminuir o ritmo, aprender a dar aula sentada, descansar mais e me obrigar
a comer muito. Chico decidiu nascer no dia em que completou as semanas mínimas
necessárias para não ser prematuro, mas chegou com apenas 2.3 kg - ganhos com
muito esforço, mas que ainda era pouco para a média dos bebês.
A solução para o baixo peso? Amamentação. Muita amamentação.
Decidi que queria reverter o quadro de baixo peso garantindo amamentação
exclusiva de 6 meses. E Chico contribuiu: pegou o peito e adorou desde que
nasceu!
Mas como poderia manter o ritmo de mamadas a cada 3 horas,
exclusivamente leito materno, sendo eu autônoma, sem salário fixo e trabalhando
no ritmo e distâncias como fazia? Era um dilema que teria que enfrentar, sem
babá (por decisão minha), mas com a ajuda de minha mãe.
Decidi passar os primeiros 2 meses mais quieta em casa,
fazendo pequenos trabalhos à distância. Quando Chico completou 2 meses, ganhou
mais de 2,5 kg e saiu da zona de risco, decidi voltar à ativa. E a solução era:
aonde o peito vai, o Chico vai atrás.
Com 2 meses ele passou a frequentar minhas salas de aula.
Aonde quer que eu fosse, ele ficava numa salinha ao lado, de suporte e, assim
que chorasse para mamar, eu era chamada por minha mãe que ficava com ele.
Com 3 meses enfrentamos nossa primeira viagem de avião.
Fomos juntos para Brasília, apenas eu e ele. Consegui uma babá russa que morava
na cidade e que poderia cuidar dele. E a essa viagem se seguiram outras 3 em
todas as semanas subsequentes. Ficávamos hospedados na casa de uma amiga, com
toda a infraestrutura ambulante (ou improvisada) de que um bebê precisava:
carrinho que virava cama, bacia que virava banheira, fraldas e roupas lavadas e
secas no mesmo dia, etc etc.
Com um ano de vida, Chico já tinha completado 26 viagens
de avião. Conheceu 4 diferentes países, 4 estados brasileiros e mais de 50
cidades. Já participou de aulas, reuniões, congressos e tem sido um grande
companheiro de viagem.
Nas viagens mais curtas, quando decidia não leva-lo para
evitar tanto esforço, carregava uma bomba elétrica, uma pequena geladeira
térmica e potes de vidro esterilizados, onde armazenava o leite retirado religiosamente a cada três horas,
estivesse onde e como estivesse (o que incluiu alguns banheiros de avião,
diversas salas de aula, banheiros de organizações onde trabalhei, salas de
reunião, etc.). O leite era armazenado, congelado e dado a ele na minha
ausência. Eram retirados e ministrados, por dia, cerca de 2 litros de leite
materno. Chico aprendeu a tomar leite em qualquer temperatura, na mamadeira, no
copo, na colher - era tão versátil quanto minha vida necessitava que fosse.
Foram 6 meses de amamentação exclusiva sem nunca precisar
dar fórmula ou água ou suco nem sequer por uma vez. E, até agora, foi 1 ano e
meio de amamentação em livre demanda. Chico é um menino extremamente saudável e
ativo. Nunca fica doente, é adaptável, sorridente e brincalhão. Nos adaptamos
perfeitamente um ao ritmo de vida do outro.
Hoje Chico vai à escola durante 6 horas por dia. Passa as
demais horas ao meu lado – em casa, em reuniões ou em outros compromissos que
possamos ter. Continuamos sem babá e usufruindo muito da ajuda da vovó.
Em quase 18 meses de experiência como mãe, minha vida
profissional não voltou ao ritmo ou com a cara do que era antes. E certamente
nunca mais será a mesma – por decisão e por convicção. Ter um filho significa
passar por muitas adaptações. Tive que aprender a trabalhar menos (ou a ser
mais produtiva), tive que aprender a funcionar mesmo com sono (ele ainda acorda
de madrugada, por pelo menos 3 vezes), tive que aprender a comer quando é
possível, a dormir quando posso, a trabalhar de madrugada (sempre me senti mais
inteligente de manhã). Tive que aprender a trabalhar escutando músicas da palavra
cantada ou da galinha pintadinha, a dividir a tela do meu computador em duas
para trabalhar enquanto ele assiste vídeos. Tive que decidir deixar de ser autônoma
para ter uma renda fixa (hoje sou professora concursada de uma universidade
federal), passei a escolher trabalhos mais próximos de casa e tive que decidir
viajar menos. Todas escolhas marcantes, convictas e que me trazem a alegria de
saber que posso ter prazer no trabalho, de uma nova forma, ao mesmo tempo em
que garanto atenção, amor e amamentação ao meu filho.