terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Relatos da maternidade de uma mãe autônoma e workaholic


Sempre me perguntam como consegui conciliar a vida de consultora workaholic e autônoma com a maternidade. Já contei essa história diversas vezes, sempre com muito orgulho, e hoje decidi escrever um pouco de como ela se deu – não apenas para guardar melhor em minhas memorias, mas também para compartilhar como é possível ter filho trabalhando bastante e, ainda assim, garantir atenção, amor e muita amamentação!
Para quem me conhece, sabe que ao longo dos últimos dez anos trabalhei muito (e com muito prazer) para construir uma carreira autônoma na administração pública. E que simplesmente adoro o que faço. Além dos muitos anos de estudo, entre graduação, mestrado e doutorado, sempre conciliei com trabalhos de consultoria ou de formação de gestores. Nesses mais de dez anos, foram dezenas de consultorias a governos, centenas de horas de cursos ministradas para várias organizações, livros e artigos publicados, etc. 
Quem trabalha como autônoma sabe que devemos sempre acumular os trabalhos para evitar períodos sem nada – de forma que acabamos sempre tendo muitas coisas para fazer ao mesmo tempo, jornadas extenas e e sem horários fixos ou dias regulares de trabalho. Além disso, pelas próprias características das escolhas que fiz, tive que viajar muito desde que me formei: para dar consultorias em diversas cidades do país, para trabalhar com formação de servidores públicos nos mais variados estados, para participar de congressos nacionais e internacionais, para fazer visitas de campo do meu mestrado e doutorado, etc.
Foram anos intensos e de muitas viagens: morei em algumas cidades do sertão brasileiro, percorri os estados do norte e do nordeste, estudei em Nova York, trabalhei na Alemanha, morei em Hong Kong, dei palestras no Chile, na Argentina, no Peru, na Italia e em Portugal. Foi uma vida profissional nômade e que me encantava, não apenas por conhecer novos lugares, mas por mudar a natureza do meu trabalho.
Até que, sem planejamento, previsão ou expectativa, engravidei em 2010. Como sempre trabalhei de forma autônoma, sem salário fixo e dependendo de uma rede de contatos e indicações, tinha que aproveitar o tempo da gravidez para trabalhar muito, consolidar diversas atividades e juntar dinheiro, sem saber como as coisas seriam depois que meu filho nascesse.
Em 9 meses foram 52 viagens nacionais e internacionais. Passei mais tempo em Brasília do que em minha casa. Fui trabalhar no Acre, me aventurei pelo interior de Rondônia, dei aulas no Espírito Santo, cruzei mais uma vez o sertão da Bahia. Foram nove meses com vestido cada dia mais curto, carregando a barriga, com o esforço crescente que ela me gerava, por todo o país, entre os mais diferentes climas e geografias, à prova de diversas culinárias e experimentações.
Chico nasceu em junho de 2011. Foi um final de gravidez difícil – o excesso de trabalhos e de viagens impactaram em uma falta de ganho de peso por parte minha e dele (em 8 meses de gravidez eu tinha engordado apenas 5 kg e ele 1,5). Ao longo do último mês, tive que diminuir o ritmo, aprender a dar aula sentada, descansar mais e me obrigar a comer muito. Chico decidiu nascer no dia em que completou as semanas mínimas necessárias para não ser prematuro, mas chegou com apenas 2.3 kg - ganhos com muito esforço, mas que ainda era pouco para a média dos bebês.
A solução para o baixo peso? Amamentação. Muita amamentação. Decidi que queria reverter o quadro de baixo peso garantindo amamentação exclusiva de 6 meses. E Chico contribuiu: pegou o peito e adorou desde que nasceu!
Mas como poderia manter o ritmo de mamadas a cada 3 horas, exclusivamente leito materno, sendo eu autônoma, sem salário fixo e trabalhando no ritmo e distâncias como fazia? Era um dilema que teria que enfrentar, sem babá (por decisão minha), mas com a ajuda de minha mãe.
Decidi passar os primeiros 2 meses mais quieta em casa, fazendo pequenos trabalhos à distância. Quando Chico completou 2 meses, ganhou mais de 2,5 kg e saiu da zona de risco, decidi voltar à ativa. E a solução era: aonde o peito vai, o Chico vai atrás.
Com 2 meses ele passou a frequentar minhas salas de aula. Aonde quer que eu fosse, ele ficava numa salinha ao lado, de suporte e, assim que chorasse para mamar, eu era chamada por minha mãe que ficava com ele.
Com 3 meses enfrentamos nossa primeira viagem de avião. Fomos juntos para Brasília, apenas eu e ele. Consegui uma babá russa que morava na cidade e que poderia cuidar dele. E a essa viagem se seguiram outras 3 em todas as semanas subsequentes. Ficávamos hospedados na casa de uma amiga, com toda a infraestrutura ambulante (ou improvisada) de que um bebê precisava: carrinho que virava cama, bacia que virava banheira, fraldas e roupas lavadas e secas no mesmo dia, etc etc.
Com um ano de vida, Chico já tinha completado 26 viagens de avião. Conheceu 4 diferentes países, 4 estados brasileiros e mais de 50 cidades. Já participou de aulas, reuniões, congressos e tem sido um grande companheiro de viagem.
Nas viagens mais curtas, quando decidia não leva-lo para evitar tanto esforço, carregava uma bomba elétrica, uma pequena geladeira térmica e potes de vidro esterilizados, onde armazenava o leite retirado religiosamente a cada três horas, estivesse onde e como estivesse (o que incluiu alguns banheiros de avião, diversas salas de aula, banheiros de organizações onde trabalhei, salas de reunião, etc.). O leite era armazenado, congelado e dado a ele na minha ausência. Eram retirados e ministrados, por dia, cerca de 2 litros de leite materno. Chico aprendeu a tomar leite em qualquer temperatura, na mamadeira, no copo, na colher - era tão versátil quanto minha vida necessitava que fosse.
Foram 6 meses de amamentação exclusiva sem nunca precisar dar fórmula ou água ou suco nem sequer por uma vez. E, até agora, foi 1 ano e meio de amamentação em livre demanda. Chico é um menino extremamente saudável e ativo. Nunca fica doente, é adaptável, sorridente e brincalhão. Nos adaptamos perfeitamente um ao ritmo de vida do outro.
Hoje Chico vai à escola durante 6 horas por dia. Passa as demais horas ao meu lado – em casa, em reuniões ou em outros compromissos que possamos ter. Continuamos sem babá e usufruindo muito da ajuda da vovó.
Em quase 18 meses de experiência como mãe, minha vida profissional não voltou ao ritmo ou com a cara do que era antes. E certamente nunca mais será a mesma – por decisão e por convicção. Ter um filho significa passar por muitas adaptações. Tive que aprender a trabalhar menos (ou a ser mais produtiva), tive que aprender a funcionar mesmo com sono (ele ainda acorda de madrugada, por pelo menos 3 vezes), tive que aprender a comer quando é possível, a dormir quando posso, a trabalhar de madrugada (sempre me senti mais inteligente de manhã). Tive que aprender a trabalhar escutando músicas da palavra cantada ou da galinha pintadinha, a dividir a tela do meu computador em duas para trabalhar enquanto ele assiste vídeos. Tive que decidir deixar de ser autônoma para ter uma renda fixa (hoje sou professora concursada de uma universidade federal), passei a escolher trabalhos mais próximos de casa e tive que decidir viajar menos. Todas escolhas marcantes, convictas e que me trazem a alegria de saber que posso ter prazer no trabalho, de uma nova forma, ao mesmo tempo em que garanto atenção, amor e amamentação ao meu filho.